Jornada ao Monte Elbrus, uma legítima montanha russa

Monte Elbrus, na Rússia, a maior montanha da Europa a 5.642 metros de altitude - Foto Ana Carolina Calveti

Ele é o gigante branco da Europa, a maior montanha do continente com seus 5.642 metros de altitude. Fica na Rússia, na região do Cáucaso perto da fronteira com a Geórgia. No inverno, é diversão para esquiadores. No verão, como na foto acima, é invadido por aventureiros interessados em chegar ao seu topo a pé. O Elbrus faz parte do projeto Sete Cumes, um roteiro com as montanhas mais altas de cada continente cobiçado por montanhistas em todo o mundo. Por ser a mais acessível da lista, escolhi começar por ela minha experimentação em alta montanha. Foi uma jornada longa até o dia mais esperado, o ataque ao cume, e tudo aconteceu mais ou menos assim:

Mesmo com a lua quase cheia, as estrelas se exibiam e roubavam a atenção enquanto eu e meus companheiros de expedição sacolejávamos no snowcat rumo ao ponto de partida da aventura naquela madrugada na Rússia. Quando o caminhão, que em vez de rodas usa esteiras para se locomover na neve, parou, estávamos a cerca de 4.700 metros de altitude. Eram 2h30 da manhã e poucos de nós haviam conseguido dormir à noite. Mas a partir dali era conosco.

Dez aventureiros, supervisionados por quase o mesmo tanto de guias (@gentedemontanhaoficial), tinham pela frente um objetivo em comum: superar a noite, o frio e a altitude e chegar ao cume do monte Elbrus, o teto da Europa.

Time completo na chegada ao refúgio NatPark, aos pés do Elbrus - Foto Maria Tereza Ulbrich
Gorro, luvas, bota dupla, casaco de plumas e calça impermeável prometiam conforto térmico. Enfrentamos temperatura de - 7º C com sensação de - 15º C. Em alguns trechos os pés tinham que ir mais fundo na neve para o vento não nos desequilibrar. Com o bastão de caminhada numa mão e o piolet - um tipo de machadinha usada por alpinistas - na outra, saímos em fila indiana. Só se ouvia o assobio do vento. Mesmo com lanterna na cabeça, o campo de visão se restringia aos pés do colega à frente.

Até o amanhecer, a recomendação era caminhar de cabeça baixa e encontrar um ritmo constante para as passadas. Subi cantarolando comigo mesma "jamón y queso... jamón y queso", um mantra para marcar o passo e manter a concentração. Mais tarde, @acalveti, que estava logo atrás de mim, contou que seguiu a mesma cantoria. Por causa do frio, as paradas para descanso seriam poucas e curtas.

Àquela altura o maior desafio era superar a escuridão e o frio. Tínhamos que resistir até os primeiros raios de sol. Foram mais ou menos três horas de caminhada até um amanhecer alaranjado apontar no horizonte junto à cordilheira do Cáucaso naquela terça-feira, 13 de agosto.

Até o cume do Elbrus foram cerca de sete horas e meia de jornada. Chegamos ao topo por volta das 9h30 da manhã. As lágrimas e os abraços compartilhados por nós naquele pedacinho de chão nevado no alto do gigante branco denunciavam o tamanho do esforço de cada um. A façanha, entretanto, ainda não estava completa. Mais duas horas de descida nos esperavam.

Das poucas fotos na subida, @mariulbrich usa de conhecimentos de coach para incentivar a galera - Foto Marcos Oliveira
Embora seja apontada como a ascensão mais acessível dos sete cumes mais altos do mundo, subir o Elbrus é desafiador. Foram cinco dias de preparação para o ataque ao cume com ascensões progressivas para se acostumar à altitude, treinamento com equipamentos específicos para a caminhada na neve, práticas de segurança e incontáveis litros de água para hidratar. Todas as noites batimentos cardíacos e o nível de oxigênio no sangue eram monitorados para ver nossa evolução.

Pode parecer bobagem, mas a hidratação é parte fundamental para a aclimatação. Na altitude o corpo produz mais glóbulos vermelhos pela menor presença de oxigênio. Ingerir líquidos serve para impedir que o sangue fique mais espesso, reduzindo o risco de complicações de saúde. Nunca fui tanto ao banheiro 😂

Lidar com os efeitos da altitude é dos maiores desafios em montanhas acima de 5.000 metros - Foto Serg Avtomonov
Entretanto, mais que o esgotamento físico, o maior adversário numa jornada como a do Elbrus é o psicológico de cada um. Insegurança, impaciência e ansiedade subiram comigo naquela madrugada. Senti medo em alguns momentos. Era a minha primeira experiência em alta montanha e eu desconhecia como meu corpo e minha cabeça reagiriam ao frio extremo e à altitude. Nunca se fez tão presente uma frase que costumo levar para a montanha: "Revisitando nossas fraquezas renovamos nossas forças".

Tenho que destacar a solidariedade que encontrei nessa expedição por parte dos meus companheiros. Embora a caminhada seja, em sua maior parte, muito solitária, a gente escolhe quem ter por perto.

Nas horas mais tensas, sempre teve alguém para oferecer um gole de Coca Cola, energético ou chá, né @luizclaudiof?! ;-) A hidratação no dia de cume é feita assim com bebidas açucaradas. Para completar a bomba de energia comemos muito chocolate.

Em uma das paradas para descanso durante a noite sentei na neve e não tinha força para levantar. Estava a uns 5.000 metros de altitude e sentia fraqueza, tontura e náusea. Foram as palavras do Pedro Hauck, chefe da expedição, que me tiraram da letargia. “O sol já vai aparecer e tudo vai ficar mais fácil. Sua energia vai voltar. Levanta e continue caminhando”, disse ele. Dito e feito!
Último trecho de subida antes de chegar ao cume do Elbrus - Foto Marcos Oliveira


O pior trecho da subida ainda estava por vir. Ele era íngreme e tínhamos que vencê-lo com a ajuda de cordas. Passamos todos em segurança. Mas a mesma sorte não teve um rapaz que naquela manhã rolou montanha abaixo. As primeiras informações eram de que ele havia morrido mas sites divulgaram depois que ele havia sofrido traumatismo craniano e fora socorrido com vida. Uma mulher também se acidentou no mesmo dia, fraturando uma das pernas.

Corda permite aos montanhistas se prenderem para subir em segurança terreno inclinado 
Cada um a seu tempo, todos fizeram o caminho de volta. Depois de umas duas horas de descida, nos amontoamos no snowcat e, desta vez, sob o sol, sacolejamos até nosso refúgio.

Enquanto arrumava meus equipamentos na mochila para deixar nosso "hotel" aos pés do Elbrus, percebi que tinha concluído essa aventura com um pouquinho dos colegas em mim. Do esparadrapo enfaixado nos pés para evitar bolhas da @mariulbrich, a pomadinha da @acalveti para evitar queimadura no rosto pelo vento, as meias e os mitons emprestados pelo @luizclaudiof  e o pó milagroso para esquentar as mãos do @alexandre_jung, só tenho uma coisa a dizer: fomos um verdadeiro TIME!

Cume do Monte Elbrus - 13/08/2019 - Foto Serg Avtomonov

Debutando em montanha acima de 5.000 metros de altitude - Foto Pedro Hauck


O CAMINHO ATÉ LÁ

A conquista do cume de uma montanha é sempre o ponto alto desse tipo de aventura. Mas o que seria dela se não fosse o caminho? A jornada no Elbrus levou 12 dias desde minha saída de São Paulo. Apenas um foi destinado à ascensão ao topo. Cheguei à Rússia por Moscou e passei um dia e meio na cidade. Embora fosse verão (agosto/2019), os russos comentaram que nunca tinham visto temperaturas tão baixas como a deste ano para a estação. Os termômetros não passaram de 18º C na minha estadia, e a Moscou que conheci tinha céu cinza e garoa fina. Mesmo assim, foi surpreendente.

Legado dos tempos de comunismo, Moscou é imponente. Tudo é grandioso na cidade, dos monumentos às avenidas largas. Lembranças do regime estão por todo lado, dos bustos de Lenin e Stalin à estátua de Marx.

No coração da cidade, a Praça Vermelha resume essa atmosfera com os principais cartões postais do país _ a catedral de São Basílio e o Kremlin. 

Catedral São Basílio, na praça Vermelha

Um city tour pode ser feito a pé e usando o metrô. Aliás, as estações de metrô são atrações turísticas em Moscou. Herança da era Stalin, que governou a União Soviética por três décadas, elas foram construídas como palácios. Ele justificava o luxo das construções dizendo que eram o "palácio do povo". Pisos em mármore, ladrilhos e pinturas nas paredes e tetos e estátuas de bronze se prestavam, na verdade, a fazer propaganda do regime, que queria passar ao povo a imagem de que o comunismo era o caminho para a prosperidade.

Uma das estações de metrô em Moscou construídas na era de Stalin 
Museu de História
Teatro Bolshoi


Igreja da Anunciação, no interior do Kremlin
Por falta de tempo não pude conhecer os museus de Moscou. São muitos e vale a pena visitá-los. Encerrada a passagem relâmpago pela capital russa, iniciou-se a expedição para o Monte Elbrus. Como já disse, a montanha fica na fronteira com a Geórgia bem ao lado da Cordilheira do Cáucaso. Para chegar lá, foi quase um dia de viagem. Primeiro, pegamos um vôo até a cidade de Mineralnye Vody (cerca de 3 horas de Moscou). Depois um transfer de mais quase quatro horas de estrada nos deixou no vilarejo de Terskol.

Achava um exagero os comentários de que na Rússia é difícil encontrar quem fale inglês, mas é isso mesmo. Até em zona turísticas o idioma é pouco falado. Para piorar a comunicação, o alfabeto cirílico é indecifrável. O que salvou foi o Google Tradutor.

Terskol é uma cidadezinha aos pés de uma estação de esqui. A cerca de 2.000 metros de altitude, iniciamos aqui nossa aclimatação para o Elbrus. O sol até apareceu e a turma se animou!!!!

Caminhada até 3.200 metros de altitude em Cheget - Foto Alexandre Jung

 Início da aclimatação com @alexandre_jung

Vale cercado de picos nevados em Cheget
No dia seguinte, deixamos o hotel Azau Star e subimos de teleférico até o refúgio NatPark, onde passaríamos os próximos cinco dias. Foram três estágios de subida até chegar ao ponto final do teleférico: os pés do Monte Elbrus, a 3.750 metros.


Partida para o refúgio com todos os equipamentos; trabalho em equipe

Primeira visão do Elbrus ainda no teleférico
Numa expedição dessa complexidade há muito mais envolvido do que a performance individual. A logística é parte fundamental. Depois de subir com toda a bagagem no teleférico, embarcamos em um snowcat 👇👇👇, com quem tivemos uma relação de amor e ódio durante a viagem. Explico mais adiante 😄 


@leao Snowcat saiu carregado com nossas bagagens e a turma toda até o refúgio



Entrando numa fria mas sem perder o humor

O REFÚGIO

Acho que todo mundo que gosta de se meter nessas aventuras já ouviu, pelo menos, uma vez a pergunta: mas você tirou férias para passar todo esse perrengue? O Elbrus é das montanhas com melhor infraestrutura para acomodação. Na maioria dos casos, nem refúgio existe e é preciso dormir em barracas. 

Mas na montanha russa mais alta da Europa o tratamento dado aos aventureiros ficou acima das expectativas. Os dormitórios são em contêineres e, no NatPark, eles estavam bem novinhos e em ótimo estado de conservação. Há acomodação para seis pessoas em cada "dormitório", tendo colchão, edredom e até travesseiro. Levamos sacos de dormir para não passar frio, apesar de haver aquecimento nos contêineres. Também há energia elétrica para carregar equipamentos eletrônicos. 

Na entrada há uma pia e um reservatório de água aquecida (neve, no caso, que pegávamos do lado de fora) para fazer a higiene pessoal. Para completar, uma varanda envidraçada com vista panorâmica da cordilheira do Cáucaso funciona como espaço para guardar os equipamentos e secar roupas. Faltou uma jacuzzi kkkkkkk. Fica a dica!!!!

O banheiro era compartilhado do lado de fora do dormitório. Essa foi a pior parte porque, à noite, era dureza sair para aliviar a bexiga. Era um frio de bater os queixos. Como estávamos apenas em mulheres no nosso "quartinho" improvisamos um peniquinho. Estávamos bebendo cada uma cerca de três litros de água por dia para ajudar na aclimatação e não havia quem passasse uma noite sem se levantar. Não há chuveiro no refúgio. Banho só de lenços umedecidos. 


Contêiner dormitório do NatPark
Camas individuais com colchão, edredom e travesseiro

Varanda com vista panorâmica

Pia para higiene pessoal com água aquecida

Todas as refeições são feitas no refúgio, que tem um contêiner-refeitório. A alimentação foi à base de carboidrato, proteína e muuuuitos doces. Bebidas alcoólicas não são recomendadas porque atrapalham na hidratação e, consequentemente, na aclimatação. 

Mas uma exceção foi aberta em nossa primeira noite no refúgio. Recebi uma festa surpresa de aniversário regada a bolo e espumante. Um luxo!!!!!!!

Festa de aniversário no jantar - Foto Leão Spritz

O guia Serg Avtomonov com bolo e espumante para brindar na primeira noite de  refúgio- Foto Leão Spritz

Já ia me esquecendo da maior celebridade do refúgio. 👇👇👇

Best, um legítimo cão siberiano e recordista de cumes no Elbrus

Apelidamos a fofura de Elbrus; ele vivia dormindo e tinha cócegas na barriga
Também falta contar que um dia chegamos ao refúgio e vimos nossos quartos quase soterrados na neve. Não sei até hoje a razão, mas um snowcat arrastou uma "avalanche" de neve para a porta dos nossos contêineres. Um grupo de funcionários do refúgio teve que desobstruir a entrada dos quartos com a ajuda de pás. Até o @phauck entrou na empreitada.

Os dias seguintes foram de preparação física e aprendizado sobre os equipamentos necessários para a neve. Fui apresentada, por exemplo, ao crampon - um tipo de solado com garras de metal que é colocado embaixo do calçado para não escorregar na neve. Por causa das baixas temperaturas, usamos botas duplas, impermeáveis por fora e quentinhas por dentro.

Crampon e bota dupla
A lista de acessórios que tivemos que usar era grande. Como dizia @luizclaudiof, "fantasia de montanha" 😉


Vestidos a caráter, caímos na folia. Ou melhor, primeiro, numa greta...

Treinamento de escalada no gelo aproveitando uma fenda que encontramos no caminho


Pose para a foto depois de sair do buraco @acalveti - Fake news!!!!!!
A cada picaretada era um gemido
Para testar os pulmões e pegar confiança nos equipamentos, fizemos dois dias de caminhadas a mais de 4.000 metros de altitude. Andar em alta montanha requer paciência. Os passos são lentos e curtos. Levamos horas para percorrer alguns poucos quilômetros. Mas todos esses dias de aclimatação, apesar do esforço físico, foram muito prazerosos. A cada metro que superávamos na montanha a paisagem recompensava o sacrifício. O bom humor foi uma marca dessa expedição. Que companheiros divertidos!!!!

Treinamento para aclimatação com céu azul sem nuvens

Ao fundo a cordilheira do Cáucaso, na fronteira da Rússia com a Geórgia - Foto Maria Tereza Ulbrich


O dia em que pedimos mais meia hora de subida para @pehauck - Foto Pedro Hauck

A gente sofre mas se diverte @luizclaudiof

SUBIDA AO CUME ADIADA

O Dia dos Pais amanheceu gelado e lá fomos nós fazer mais uma caminhada de aclimatação... A previsão inicial era que sairíamos na madrugada de segunda-feira para o ataque ao cume, mas os ventos acima de 25 quilômetros por hora e temperaturas abaixo de 15º C negativos nos obrigaram a adiar em um dia a subida. Humildade para reconhecer que é a montanha quem dita as regras.

Dia dos pais foi dos mais frios durante nossa estadia no Elbrus - Foto Ronaldo Selle

Nada como um dia de sol - Foto Luiz Claudio Figueiredo

Na véspera do ataque ao cume, o dia foi de descanso. Tudo que tinha que ser feito fizemos para uma ascensão bem-sucedida. As condições do tempo estavam mais favorável do que a do dia anterior e era, então, momento de controlar a ansiedade e encarar o gigante. Assim o fizemos!


NOSSO TIME

Ladies, first...


Ana Carolina Calveti, a melhor condutora de carrinhos de supermercado do Elbrus 😂

Maele Mozi, empresária da beleza da expedição

Silvia Amorim, a mirim profissional da turma


Agora, os cavalheiros...

Oscar de Mattos, incansável combatente

Eliezer Izidoro, o aventureiro mais rápido das redes. "Olha o buraco!!!!!" 

Alexandre Jung, PHD em resgate de aventureiras desavisadas em gretas 
Humberto Campos, o homem-enciclopédia
Leão Spritz, o nome já dispensa apresentações
Ronaldo Selle, dono da melhor raquetada com pá em bolinhas de neve
Luiz Claudio Figueiredo, aquele que perde o amigo mas não perde a piada

Marcos Oliveira, vencedor dos looks mais coloridos do Elbrus 2019


Por fim, a quem devemos agradecer por tudo ter sido tão recompensador...

Pedro Hauck, geólogo, montanhista, escalador e quem mandava na coisa toda

Maria Tereza Ulbrich, mãe de todos e coach nas horas vo agas

Serg Avtomonov, infiltrado da KGB disfarçado de guia russo 

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Pantanal supera incêndio e encanta com diversidade

Lençóis maranhenses: pé no chão e mochila nas costas

Bogotá usa passado colonial para promover cultura e gastronomia