Egito: experiência muito além das pirâmides


Saqqara, a pirâmide mais antiga do Egito (2.630 a.C.), erguida em Mênfis para o sepultamento do faraó Djoser 
Diz a história da civilização do Egito que tudo começou com essa pirâmide desengonçada. Saqqara é a pirâmide mais antiga do país (2.630 a.C). Pelo formato de degraus, acredita-se que ela seja uma das primeiras tentativas de construção piramidal da Antiguidade. A cerca de 30 quilômetros dali e quase um século de história mais tarde os egípcios chegaram à pirâmide perfeita, Quéops (2.550 a.C), uma das sete maravilhas do mundo antigo. 👇

A pirâmide de Quéops, no complexo de Gizá, uma das sete maravilhas da Antiguidade
Isso é apenas uma amostra do que pode ser visto em uma viagem ao Egito. Templos, pirâmides, pinturas e estátuas com mais de 5 mil anos estão ao alcance das mãos. Lendas se misturam com a História e a materialização disso tudo se descortina à sua frente. Dificilmente você voltará a olhar o mundo do mesmo jeito.

"No hay nada solamente arena. Todo es marrón", abismou-se uma turista espanhola ao espiar pela janela do avião a paisagem minutos antes do pouso na cidade do Cairo, no Egito (abril/2019). Ela estava sentada ao meu lado e sua constatação não era de todo equivocada. Mais de 90% do país é deserto.

Arredores do aeroporto internacional do Cairo
Mas o Egito, que, à primeira vista, se mostra monocromático, surpreende com suas cores e diversidade aqueles que se dispõem a percorrer o país. A terra dos faraós não é só pirâmides, embora elas sejam o principal cartão de visita. Templos tão antigos quanto as pirâmides estão espalhados pelo Egito ao longo do Rio Nilo. O litoral do Mar Vermelho é outro grande atrativo e convida ao relaxamento em resorts e praias de areia branca. Por 14 dias atravessei o país de norte a sul, sendo guiada pelo curso do Nilo, berço da civilização egípcia.

Hurghada, litoral do Mar Vermelho, destino para relaxar no Egito
 A linhagem dos faraós é predominantemente masculina. Mas poucos sabem que algumas mulheres ocuparam essa posição. A mais conhecida é Cleópatra, mas antes dela, outras rainhas como Hatshepsut, Nefertite e Nefertari entraram para a história por governar o império egípcio. Conto essa passagem para destacar dois templos dedicados a figuras femininas no Egito. Numa sociedade em que hoje as mulheres têm bem menos direitos do que já tiveram nesse país esses monumentos são como gritos de liberdade.

O primeiro é dedicado a uma figura mitológica, a deusa Ísis. Mulher do deus Osíris, diz a lenda, que ela chorou tanto o assassinato do marido pelo próprio cunhado, que, de suas lágrimas, nasceu o Rio Nilo. Pois bem, Ísis é a deusa da fertilidade e era tão venerada que o faraó Ptolomeu II mandou construir um templo para que sua imagem fosse cultuada. Ele é conhecido como Templo de Philae, onde só se chega de barco, porque fica numa ilha próxima à cidade de Aswan, no sul do país. Uma das devotas de Ísis era Cleópatra _ a 7ª, porque existiram outras seis rainhas Cleópatras no Egito antes _ , que viajava de Alexandria até a ilha para render homenagens e pedir proteção à deusa.

Templo de Philae dedicado à deusa Ísis em Aswan
Por todo o templo escrituras e imagens nas paredes contam passagens da mitológica Ísis, que foi incorporada também à cultura romana e grega. É um templo menos antigo, datado de 300 a 200 a.C, e, portanto, está bem conservado. Uma curiosidade é que ele não está no local em que originalmente foi erguido, que era a ilha de Philae. Por causa da construção de uma barragem, a área foi inundada e todo o complexo foi desmontado e reconstruído numa ilha vizinha, Agilka.

Hieróglifos intactos ocupam paredes inteiras no interior do templo contando passagens da deusa mitológica Ísis

Fachada do Templo de Philae
Saindo do templo e navegando pelo Nilo chega-se a um vilarejo já quase na fronteira com o Sudão, a vila Núbia. Os núbios são um povo à parte no Egito com tradições únicas, entre elas, criar crocodilos como animais de estimação. Na Antiguidade, a região era um ponto de encontro das civilizações egípcia e africana. A vila é formada basicamente por uma única rua às margens do rio, onde se concentram lojas de artesanato e souvenir.

Crocodilo criado numa jaula na sala de uma casa núbia

Navegando pelo Rio Nilo em direção à Vila Núbia, perto da fronteira do Sudão
Ao final da visita à Vila Núbia o destino foi a cidade de Aswan para iniciar um cruzeiro de três noite no Nilo. O rio, o mais longo do mundo, é o berço de toda a civilização egípcia. Seguindo seu curso, vamos descobrindo o legado do império egípcio. As embarcações são menores e mais simples do que as que navegam nos mares do Caribe ou do Mediterrâneo, mas a riqueza desse trecho da viagem é justamente o que está do lado de fora.

Voltando às figuras femininas do Egito, fica na cidade de Luxor, uma das paradas do cruzeiro, o templo da mulher considerada a mais poderosa do Egito antigo, a rainha Hatshepsut. Ela ficou no poder por 22 anos e o templo de Deir El-Bahar, considerado um dos mais bonitos do Egito, foi construído para ser seu túmulo. A ousadia dessa mulher era tanta que ela mandou construir o templo para que fosse enterrada em vez de ficar junto com as demais rainhas na época, no Vale das Rainhas. Hatshepsut reinou quando já não estava mais em voga a construção de pirâmides para sepultar faraós.

Ondas de saques e vandalização das pirâmides fizeram com que os governantes egípcios abandonassem as obras faraônicas e construíssem túmulos mais discretos. Daí surgiu o chamado Vale dos Reis. O templo mortuário de Hatshepsut está ao lado do vale.

Templo mortuário de Hatshepsut, a rainha mais poderosa do Egito

Detalhes da fachada do Templo de Hatshepsut

Mais detalhes do templo de Hatshepsut
Embora a rainha mais celebridade do Egito seja Cleópatra, poucos vestígios do reinado dela existem em Alexandria para serem visitados. Até hoje a tumba de Cleópatra não foi encontrada. É um dos tesouros mais procurados por arqueólogos.

No Vale dos Reis, onde dezenas de túmulos já foram descobertos, as escavações continuam. Como já disse, depois que as pirâmides passaram a ser alvo de roubos, faraós decidiram buscar o descanso eterno em lugares mais escondidos. Porém, não menos suntuosos. Numa montanha escavaram túneis e construíram túmulos individuais para faraós e familiares. O Vale dos Reis foi usado por cerca de 500 anos. Até agora, 62 câmaras mortuárias foram identificadas, sendo a mais famosa a de Tutancâmon, que governou por 18 anos em 1.300 a.C.

Interior de uma das tumbas do Vale dos Reis

Entrada de um dos túmulos descobertos no Vale dos Reis
Os túmulos no Vale dos Reis são uma explosão de cores mesmo depois de 3.000 anos. Estudiosos descobriram que os egípcios usavam uma camada de clara de ovo sobre as pinturas nas paredes para preservá-las. Outra razão apontada para a conservação é o clima seco do deserto onde está o Vale dos Reis.

Pinturas preservadas nas tumbas do Vale dos Reis
Detalhes dos adornos nos túneis que levavam ao sarcófago de um faraó

Mais detalhes das paredes internas
O cruzeiro no Nilo leva aos templos mais visitados do Egito. Pela ordem, o templo de Hórus, onde se chega após um passeio de charrete. Na mitologia egípcia, Hórus é o deus falcão, o senhor do céu. Ele vingou a morte do pai, Osíris, matando o próprio tio. É dos deuses egípcios mais importantes e é representado como um falcão ou um homem com cabeça de falcão. Uma estátua imponente de Hórus está dentro do templo, na cidade de Edfu, e impressiona pela perfeição dos traços.
Guardião na entrada do Templo de Hórus, em Edfu

Fachada do templo de Hórus
A cidade de Luxor é a antiga Tebas, capital do Egito Antigo por várias dinastias. De lá governou Tutancâmon e o grande Ramsés II, o faraó que por mais tempo governou o Egito _ 66 anos. Em Luxor, dois templos são as estrelas: Luxor e Karnak.

Estátua do faraó Ramsés II no Templo de Luxor
Ramsés terminou em seu reinado a construção do templo de Luxor, o que explica tantas estátuas do faraó em tamanho colossal. Ramsés II era megalomaníaco. Quando estive em Luxor a fachada do templo estava sendo restaurada. Fiz a visita num fim de tarde, mas dizem que à noite ele fica ainda mais imponente.

Entrada do templo de Luxor


Mais uma do faraó Ramsés II
 Antigamente uma alameda de esfinges levava do templo de Luxor ao templo de Karnak. Hoje isso é ruína. Karnak é ainda mais grandioso que Luxor e é o maior templo do Egito.

Templo de Karnak

Colunas maciças em uma das salas do templo de Karnak

Fachada do templo de Karnak

Está em Karnak o maior obelisco do Egito (ao fundo)
Resta falar apenas de mais um templo, mas vou interromper aqui essa série para mostrar o quanto pode ser diversificada a viagem ao Egito. Entre uma visita e outra que tal um passeio de Feluca pelo Nilo no pôr-do-sol? É um tipo de barco que os egípcios antigos navegavam.

Passeio de Feluca no pôr-do-sol no Rio Nilo


Indo para o deserto, pode-se fazer um safari de quadriciclo até uma vila de beduínos. Eles são habitantes do deserto e nômades. Fiz esse passeio quando estava no litoral do Mar Vermelho, em Hurghada. 
Mulheres beduínas; a religião praticada é o islamismo como em quase todo o Egito
Viagem de quadriciclo por quase uma hora até a aldeia beduína
Recepção com chá de menta e narguile

Apesar de vestida à caráter, não fiz o estilo dos beduínos 😂
A propósito, o Mar Vermelho tem essa cor só no nome porque a água é turquesa. Em Hurghada, onde fiquei hospedada, a orla é tomada por resorts e o público é majoritariamente de estrangeiros, sendo predominante a presença de croatas e russos. Da praia, saem passeios de barco para mergulhar e conhecer uma ilha maravilhosa chamada Gifton.


Enseada da praia de Hurghada
Passeio para mergulho na Ilha Gifton

Água cristalina mas gelada

Descanso da maratona de templos e pirâmides

Voltando à História, quando me referi ao faraó Hamsés II como megalomaníaco não era exagero. Um templo que ele mandou construir no sul do Egito chamado Abu Simbel é a maior prova disso. Em sua fachada, Ramsés colocou quatro estátuas dele com 20 metros de altura. Todo esculpido na montanha, o templo foi declarado patrimônio mundial pela Unesco. 

Templo de Abu Simbel no sul do Egito

Detalhe da fachada com estátuas gigantes de Ramsés II

No corredor central que leva a um tipo de altar imagens imensas em pedra de guerreiros
Ramsés II é apontado como o maior faraó do Egito. Teria tido aproximadamente 100 filhos e viveu quase 90 anos. A múmia dele está no Museu Egípcio no Cairo. Uma outra estátua esculpida em pedra calcária foi encontrada na cidade de Mênfis com 13 metros de altura e mais de 120 toneladas. Pela impossibilidade de ser transportada, foi criado um museu a céu aberto ao redor da imagem. O local tem ainda uma esfinge.

O colosso de Ramsés II

Esfinge de Mênfis
CAIRO E AS PIRÂMIDES MAIS FAMOSAS

Enfim, chegamos ao cartão postal da viagem ao Egito. Fica próximo ao Cairo, capital do país, o complexo mais visitado de pirâmides, Gizá, e a grande Esfinge. A entrada na imponente Quéops, a maior pirâmide do mundo, é permitida. Somente preste atenção que no Egito é exigido um ingresso diferenciado se quiser fotografar os monumentos por dentro.

Quéops, a maior pirâmide do Egito
Quéops frustra um pouco quem espera encontrar tesouros. Um túnel leva ao que foi a câmara mortuária de um faraó. Vale entrar na pirâmide para conferir a engenharia que a sustenta, mas o local tem pouca iluminação e, em alguns trechos, é preciso agachar para caminhar no túnel. 

Escadas no interior de Quéops

Túnel que leva até onde ficava o sarcófago do faraó


Pirâmide de Quéfren

Miquerinos, a terceira pirâmide de Gizá
O sítio arqueológico onde ficam as três pirâmides é bem grande e se pode caminhar por um dia inteiro por lá. No mesmo complexo ficam a grande Esfinge. Mais uma vez é importante tentar chegar no início da manhã ao complexo de Gizá porque as filas para uma simples selfie são desanimadoras.

Grande Esfinge no complexo de Gizá

Fila para uma selfie com a Esfinge

Passeio de camelo em Gizá

Quéops, Miquerinos e Quéfren ao fundo

O Museu do Cairo segue sendo o principal do país, mas terá concorrência a partir de 2020. Essa é a previsão para inauguração do Grande Museu Egípcio, também na cidade. Será o maior dedicado à história do Egito. O museu do Cairo já tem muito para ser visto, mas um outro tanto fica hoje amontoado em depósitos. Apesar do Egito ter sido saqueado ao longo de sua história e ter tesouros expostos em outros museus do mundo o acervo é descomunal. 

Mas enquanto o Grande Museu Egípcio não abre suas portas, não há o que titubear. A visita ao Museu do Cairo é obrigatória. As salas mais disputadas são onde estão as múmias de faraós, mas o acervo é muito mais que isso.


A turma Egito Maravilhoso abril/2019

O EGITO DE HOJE 

Passado e presente no Egito não se confundem. A grandiosidade dos templos antigos contrastam com a pobreza em seu entorno. No interior do país isso fica ainda mais nítido. Cairo é uma cidade caótica e suja. Há lixo por todo lado e o trânsito é selvagem. Mas não tenho do que reclamar da hospitalidade dos egípcios. Eles estão sempre sorrindo e, embora o idioma seja um empecilho para a comunicação, a boa vontade é uma constante. A maior parte da população é muçulmana, portanto, é importante seguir algumas regrinhas, principalmente as mulheres, para evitar aborrecimentos. Não deixe pernas, braços e barriga à mostra. Não dance em público nem beba álcool na rua. Mesmo tomando esses cuidados, é quase impossível não ser alvo de olhares masculinos e femininos.

O choque cultural é muito grande e a gente também vira foco das câmeras de celulares deles. As meninas mais jovens pedem para tocar nos nossos cabelos, elogiam nossas roupas. A recomendação é que não atenda aos pedidos de foto porque não vai conseguir fazer outra coisa. Mas, depois de dar alguns "não", não resisti à aproximação de três garotas envergonhadas. Eu tinha tirado tantas fotos na minha viagem _ com e sem permissão dos meus fotografados_ que achei justo. Justíssimo!   

Selfie com estudantes egípcias que também faziam uma visita ao farol de Alexandria 



Vendedora de souvenir em Gizá

Menina em aldeia berbere perto de um dos fornos de pão da vila

Garoto em aldeia berbere manuseia um utensílio rudimentar para produzir farinha usada na vila 

Veículo comum no interior do Egito

Tipo de túnica comum entre homens muçulmanos nas regiões mais afastadas

Vilarejo à beira de uma estrada; ruas de terra é uma constante pelo interior 
Vila à margem de uma ferrovia

Apesar das dificuldades, os egípcios são alegres e hospitaleiros

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A TURMA










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